sábado, 29 de setembro de 2012

Bolinho de chuva


                       La fora a chuva caía demoradamente. Fria  e espalhada pelo vento. Engraçado que a maioria dos Sábados era de sol e justo naquele,onde qualquer luz era bem vinda, a chuva tratou de aparecer.
                       André adorava a chuva e também os dias de sol. Sua alma era grande o bastante para conseguir entender as variações, as possibilidades, as diferenças contudo não estava preparado para aquele dia. Passou a semana toda ensaiando o que diria, o que enfim iria se permitir dizer.  Fazia quase vinte  minutos que ele havia chegado a aula de pintura e esperava ansiosamente ouvir o pequeno sino que iria soar quando a porta abrisse. Tinha medo de não ouvir aquele som e tudo estar perdido.  
                Dona Adélia, uma senhora de olhos azuis profundos e cabelos brancos como a neve, professora de pintura, sentiu que alguma coisa estava atrapalhando a concentração de André e como todos anos vividos lhe serviram como uma grande cartilha ela logo entendeu.
          - André, ela já chega. Disse que iria se atrasar meia hora e me pediu para que pudesse ficar um pouco mais hoje para terminar o quadro. Se você quiser pode ficar conosco. Agora vou entrar e fazer para nós bolinho de chuva e refresco  de laranja.
        - Dona Adélia, obrigado pelo bolinho, eu adoro! – disse  o menino sem se virar para a boa senhora não perceber que seu rosto estava corado  e fingindo não se importar com a notícia que havia dado um alívio ao seu coração.
           A Sala ampla cheia de pinturas e móveis de madeira, o teto alto típico de casas antigas, os pincéis mergulhados na água, os potes de tinta com pingos escorridos, as telas esperando pela inspiração dos alunos, tudo parecia agora voltar a ter sentido. O menino olhava os objetos e se sentia confortável naquela ambiente de casa de avó. André não tinha os avós por perto. Não era daquela cidade, quase ninguém o era. Dona Adélia funcionava como um anjo, uma guia, uma professora sem a rejeição que muitas vezes os professores despertam. Tudo nela tendia a ser delicado, tudo era doce. André não sabia mas suspeitava que esse ar doce veio não porque ela tenha tido uma vida muito boa mas sim porque pra ela as portas foram muito difíceis de se abrir e portanto ela sabia exatamente quanto custava a cada um abrir uma porta e não cobrava ninguém pelo que ainda não havia feito. O moço estava certo. Ser doce implica ter experimentado muito o amargo. 
          André não conseguia  concentrar  sua energia na pintura. Não tinha foco. Seu estômago ansiava por um momento que viria a seguir. Sua mente se dividia em analisar as informações que tinha para aquele dia e também se perguntar sobre a boa senhora Adélia. Ficou um tempo quieto até que sentiu um aroma delicioso e ao mesmo tempo pesado de óleo e açucar. Os bolinhos ferviam e o cheiro espalhava memória para todos os lados. 
               Bolinho de chuva é um ótimo remédio para a memória!!!! - pensou rindo de si mesmo e lembrando também das vezes em que ele e a irmã pediam a mãe para fazer essa fácil e familiar receita. 
               Nesse momento em que André, desprevenido, toma um susto. Vê um vulto subindo as escadas e ficando cada vez maior diante da porta de vidro que deixava as silhuetas irreconhecíveis. Ele sabia que era ela. Soaram os pequenos sinos.
               A porta se abriu e o que ele viu foi o que sabia que jamais iria se esquecer. Ela entrava ligeira e sorrindo por estar correndo da chuva.Tirando o capuz vermelho de sua blusa e deixando seu longo cabelo preto se soltar liso. A pele branca com pequenas sardas e o olhar negro que pareciam a ele dois lagos profundos a meia noite. Ela sorria para ele e para a chuva que deixava agora atras da porta. O menino se sentiu triste em pensar que ela poderia deixá-lo também sorrindo como se deixa a chuva. 
                   - Oi André. Parece que viu um fantasma. hehe.  
                   - Oi, não não. É que eu estava mesmo pensando nessa chuva toda. 
                   - Pois é.   Dona Adélia onde está? 
                    - Lá dentro fazendo bolinho de chuva. 
                    - Sentirei falta desse bolinho. 
                    - Apenas deles? Quem sabe quando sentir falta deles também não sinta um pouquinho a minha falta! - disse sorrindo e calmo por fora e agitado e tenso por dentro.Como o amor era exigente!  
                   - Quem sabe toda vez que eu coma um bolinho de chuva eu me lembre também de você André! Quem Sabe?  
                    Ele então sentiu uma calma inexplicável para um momento tão tenso e triste de despedida. Ele tinha uma certeza: Ela se lembraria sim. Para sempre.