sábado, 29 de outubro de 2011

Correnteza

CORRENTEZA

  



"Debaixo d'agua se formando como um feto
sereno confortável, amado, completo
sem chão sem teto sem contato com o ar
mas tinha que respirar"  (Arnaldo Antunes)



Sua mãe havia morrido. Causa boba que pessoa humilde não consegue sarar. Angelina recebeu a notícia como um golpe de vento que destrói o castelo delicadamente feito com cartas de baralho.  - Sua mãe morreu menina, se apresse que agora será você quem irá cuidar do seu irmão. -  dizia a vizinha apressada.
                Notícia triste, mudança estranha que não se sente de uma só vez, que é preciso digerir. Não tenho mãe e agora sou eu a mãe. Pensamento complexo. Sentimentos confusos: Chore,Larga o choro menina,  hora é de chorar.
Durante o funeral Angelina não chorou, só mesmo quando o cortejo final carregava o corpo , que foi também a única cortesia que Inês, sua mãe,recebera durante sua existência sofrida, é que Angelina sentiu que tinha que chorar. Mas não chorou.
            Angústia quando aumenta não cabe na gente. A menina seguia o cortejo mas desistiu.  Saiu disparada feito um cão que vê o portão entreaberto. Seguiu correndo e nem ouviu seu pai gritar envergonhado da desfeita que a menina fazia.
           Ela correu até o rio, única coisa que realmente  se movia naquela cidade e seguia um destino que não era conhecido. O rio parecia dizer a menina que devia ela também seguir seu curso e não se deixar represar.  Ela adentrou no rio de águas claras e rápidas.  Deixou sapatos e blusa pretas na margem e seguiu até uma queda d’agua. 
           Entrou naquele véu  gelado e revigorante, sentia  um abraço gelado e forte que a fez relaxar. Ali no meio de tanta água também jorrava enfim aquele choro tão contido e saiam as lágrimas salgadas, gotas de mar que vivem dentro da gente.  A água a confortava e ela se sentia acolhida de um modo diferente daquelas palavras esquisitas de falsos pêsames que as pessoas lhe dirigiam. Ali a natureza a tomava como filha, lhe conferia novamente o status de filha, lhe dava o amor que havia perdido.
Saiu da queda d’agua e rumou  novamente à margem.  As pessoas a olhavam com desprezo, com medo, com pena, com perplexidade. Não havia rostos de amor.
              Devagar se sentiu forte, não era mais uma menina, dali em diante era uma mulher. A força da água penetrou em suas veias e agora ela levava consigo aquela correnteza e seria ela também capaz de envolver quem ela quisesse bem e levar quem ela não quisesse mais.

Daniel Galligani  29/10/2011   

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